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Por que desenhar o passado?

  • Foto do escritor: Guilherme Gehr
    Guilherme Gehr
  • há 16 horas
  • 3 min de leitura
Caderno de ideias. Lesmas, predadores, e o desenho das coisas mais remotas.
Caderno de ideias. Lesmas, predadores, e o desenho das coisas mais remotas.

Olá! Obrigado por seu interesse em ler meu primeiro texto neste fresquíssimo blog.

Quem me conhece sabe que sou um artista bem típico, e que faz jus ao estereótipo de desligado, lunar e muitas vezes inconstante. Antes de responder à pergunta do título, preciso dizer que esse caráter flutuante da minha personalidade é real — e cá estou, na tentativa de honrar os sentimentos que mais movem aquilo que mais me define: o apreço e o amor pela natureza, e a vontade de representá-la.

Sim, sou apaixonado por lagartixas, líquenes, musgos e estrelas cadentes. Mas, talvez infelizmente, isso não me torna um ativista. Com o tempo, aprendi que não preciso me sentir culpado por não estar em botes para salvar baleias ou jogando molho de tomate em obras de arte (isso seria a última coisa que eu faria na vida — porque é ridículo). Decidi que minha conduta pessoal, minha rotina e meu olhar sempre estarão atentos a pequenas atitudes de preservação ambiental. Ainda é algo modesto, mas que me satisfaz neste momento da vida. Creio que, se todos tivessem uma horta, por menor que fosse, o mundo já seria bem melhor. Então, por ora, é isso que faço. Bom... isso, e também arte!

O incômodo com o que deixo de fazer para viver em um melhor “acordo” com a natureza — com menos impacto antinatural — se dissolve quando me perco ao contemplar as coisas vivas e não vivas da Terra, pois a contemplação, especialmente aquela mais pura, quando ocasionalmente me livro de julgamentos a respeito delas, me ensina, me iguala e realinha minha conduta.

Valorizo cada ramo, cada fagulha de tecido vivo que encontro no quintal ou, melhor, em meu caminho. Fico jubiloso e também vidrado com a graça dessas pequenas partes que formam o todo — mesmo que sejam pragas. Ah, há uma única exceção: pernilongos!

Gosto de ver como as entidades da natureza estão conectadas, como há selvageria, graça e uma força que não podemos dominar para impedir dor e medo.

Há alguns dias, vi um casal de gaviões (Caracara plancus) predando o filhote de um casal desesperado de bem-te-vis (Pitangus sulphuratus). Foi bastante comovente. O filhote ainda se movia enquanto seu corpo era desmembrado pelo bico do gavião. O outro indivíduo de gavião voava rápido pela região, talvez em busca dos demais filhotes dos bem-te-vis, que, aos gritos, cortavam o ar rápida e aleatoriamente para despistar o predador. Um momento brutal, mas comum. O sofrimento está presente na vida há milhões de anos.

Essas cenas dramáticas — e também as mais triviais, como aquela que gera o clichê de reconhecer “a força da natureza”, o mato nascendo no concreto — despertam certa nostalgia, que então me leva aonde eu sinto o pertencimento que necessito.

Mas o que move um artista que escolhe o passado? Ou, por que desenhar o passado? Talvez seja esse o verdadeiro motivo de tudo. A conexão com o passado é o que define previamente o futuro, conduz o presente, traz à luz a razão.

Até onde sabemos, só nós, Homo sapiens, atinamos para detalhes do passado para além do nosso próprio nascimento. A partir desta hipótese — que se desdobra em muitas teses, histórias e fundamentos — isso se torna exatamente o ponto que nos diverge dos demais seres que habitam este planeta. Então, isso tem de ser algo especial. O Passado, aqui, nesta abordagem científica, é um personagem tão importante quanto nós próprios. O que já foi e não é mais indexa em nós toda a nossa importância, toda a nossa peculiaridade e todo o nosso poder. Seja algo que já não existe há muito tempo, ou algo que ocorreu no segundo anterior a este que se passou agora.

Para além dessa ideia sobre a importância do Passado, há ainda um elemento que talvez nem seja exclusivamente humano (serei ridicularizado por isso), que é a capacidade de se comover com o que consideramos belo.

Ora, a natureza é linda demais para não ser replicada.

Enquanto minha horta sofre com as formigas doces e as lesmas fofas, me resta reproduzir imagens vibrantes de uma natureza viva, eterna e indelével. Sim, sempre encontrarei beleza na boca cortante de predadores terríveis, cheios de moscas — e também, obviamente, na revoada dos pássaros ao entardecer.


Encerrada sua leitura, confira um curta metragem que meu caro Walt fez pensando em mim e eu nem sabia, (com alguns exageros para vender mais). Dublado em português: https://www.youtube.com/watch?v=_Tlk6e61E6w&ab_channel=GenilsonSiqueiraNascimento



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