Releitura do Tiranossauro rex de Jurassic Park Rebirth
- Guilherme Gehr
- há 4 dias
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Atualizado: há 4 dias
Jurassic Park Rebirth trouxe novamente dinossauros burros, "monstrificados", que agem sempre como se fossem aqueles valentões idiotas do ensino médio que praticam bullying em outros alunos, em filmes americanos. Uma pena que seja assim. Sei que o hype passou, mas meu lado experimentalista não consegue deixar de lado a vontade de recriar algumas cenas de filmes e livros que considero obras de arte passíveis de boas críticas.
Como paleoartista, sinto que é bom trazer uma visão mais “pé no chão” desses animais, e que isso pode suscitar diversas discussões interessantes.
Assim sendo, escolhi uma das cenas mais interessantes de Jurassic Park Rebirth (2025), em que um pavoroso Tiranossauro persegue uma família que tenta fugir em um bote de rafting, para fazer uma releitura do Tiranossauro rex e corrigir o que vejo como um problema nesta cena.

Esta cena, quando veio à público no material de divulgação, certamente foi um ponto de sucesso na publicidade do filme, visto que, apesar de ser impressionante por si só, para o público fã da franquia Jurassic Park, ela é uma realização esperada há décadas. No primeiro livro deste universo, Jurassic Park, de 1990, Parque dos Dinossauros no Brasil e Parque Jurássico em Portugal, o escritor, Michael Crichton, monta uma passagem em que o paleontólogo Alan Grant e os netos do dono do parque, Tim e Alexis, descem um rio em um bote inflável de modo muito aventuresco e perfeito para a história. Após serem perseguidos por um T rex e caírem por uma cachoeira, eles são atacados, mas sobrevivem. Na leitura da cena, é possível entender que o turbilhão da queda d'água de quinze metros ajuda a despistar os personagens, que entram fundo na água e quase se afogam - o que resguarda o animal de uma clara demonstração de ineficiência predatória. Espera! Já viu como as garças são certeiras ao pegar peixes na água? Pois é, um T rex com uma boca do tamanho de uma banheira provavelmente teria boas chances também, mas… Tudo bem, tinha a espuma na água, afinal!
Apesar de ter sido revolucionário no que diz respeito aos efeitos especiais, o filme de 1993 não pôde incluir esta cena porque criar e animar água em computação gráfica ainda era uma conquista inalcançável na época. Então, coube ao sexto filme da franquia resgatar esse momento tão tenso, com um núcleo semelhante de novos personagens.
Como o tiranossauro é o animal não vivente mais estudado da história, sua aparência inferida recebe constantemente avanços com as descobertas de novos espécimes de T rex, bem como de parentes próximos, então muitos paleoartistas têm recriado os tiranossauros de Jurassic Park com as devidas atualizações, e isso é bastante interessante de se fazer. As maiores diferenças do modelo dos filmes, em relação às novas evidências científicas, estão na cabeça, notadamente na linha da boca que agora é interpretada com lábios que recobriam os dentes enormes, além de escamas e protuberâncias na região dos olhos e bochechas diferentes daquelas representadas nos modelos dos filmes. Além disso, um corpo mais carnudo também está sendo mais plausível para o real aspecto desses animais, que viveram 66 milhões de anos atrás.
Mas de todas as mudanças que eu mais gostaria de ver em um filme que trate esses animais com a devida acurácia científica, a mais importante seria seu tamanho, além, é claro, de sua performance cênica. O cinema hollywoodiano se tornou um mestre em transformar a natureza em algo espetaculoso e estúpido, talvez por não saber lidar com antagonistas não humanos sem humanizá-los, salvo alguns poucos filmes mais sérios. Apesar disso, eu ainda sou um grande fã de Steven Spielberg e admiro muito seu trabalho, desde o revolucionário Tubarão (Jaws) (1975), até grande parte de sua filmografia posterior e legado, como filmes de outros diretores por ele inspirados.
Sei que tornar o animal mais ameaçador e manter os personagens humanos vivos é importante para a construção de uma experiência cinematográfica duradoura e assim impactante, mas não é o tamanho ou a cara malvada de um predador que faz um encontro com ele ser tão pavoroso e fértil em um filme assim. Eu, como cineasta, faria estas cenas de forma totalmente diferente, mas, como isso é pauta para algo muito maior do que um simples texto, me atenho agora ao processo que me levou a recriar, a meu modo, a cena com o bote em Jurassic Park Rebirth, em uma remontagem da própria imagem do filme.
Tendo escolhido um quadro (fotograma) em que o animal está mais dentro da água, comecei a procurar por linhas que me ajudassem a compreender a perspectiva da cena. A única coisa que pode ajudar nesse caso, é o bote salva-vidas, que não é muito confiável pois, sendo um bote inflável, não tem linhas muito retas - mesmo nas laterais. Lembro-me que meu pai teve um bote assim (eu também tive um, só que um versão de brinquedo - era incrível!), e algo que chamava minha atenção era esta forma semelhante a um carro, ou um chassi de carro. Portanto, por mais que não se pode confiar muito na precisão de suas linhas, sua forma básica leva dois cilindros paralelos e, portanto, pode servir para um estudo manual, como é o que estou tentando fazer aqui.
Com duas retas sabidamente paralelas que estão em perspectiva na cena, já posso buscar um ponto de fuga e o horizonte da cena. Mas, além da falta de precisão das linhas do bote sob o peso dos ocupantes, este processo é incerto também por causa da resolução da imagem, pelo movimento de câmera, e minimamente por alguma distorção de lente - pelo fato de o bote não estar no centro da imagem, ainda mais por que a lente usada no filme é anamórfica - um tipo de lente cinematográfica que capta com grande distorção uma imagem mais ampla lateralmente. Podemos considerar a imagem como uma grande angular, neste caso. Assim sendo, usei um segundo quadro do filme para testar meu horizonte novamente, o que calhou muito bem. Com isso, agora posso instalar uma grade de perspectiva para me ajudar a projetar um mapeamento do chão, ou, melhor dizendo, da superfície da água, com o qual identificarei o tamanho de objetos conforme suas distâncias da câmera. Não é preciso muito mais que isso. A grade indica que o peito do T rex, onde toca a superfície da água, está há cerca de 6 metros do personagem de preto, interpretado por David Iacono, que está em uma posição que pode ajudar a compreender a estatura de uma pessoa caso ela estivesse em pé, sobre a água.


Nesta mesma imagem, com o tamanho dos personagens também é possível estimar a largura do bote.
Em outro plano, o filme mostra esta cena do alto, que ajuda a confirmar esta estimativa. Com alguns pequenos rabiscos, eu presumi uma largura de 1,9 a 2 metros para o bote. Também precisei estimar o comprimento do bote - entre 3 e 4 metros. Sei que certamente são valores errados, mas quero lembrá-los de que eu estou fazendo apenas estimativas visuais, sem uso de programas 3D, afinal, as dimensões do bote usado no filme dificilmente estariam no escopo de informações a serem divulgadas na internet pela produção do filme. Mesmo assim, esses números se aproximam das dimensões de um bote de rafting para 5 passageiros, como o do filme.
Então volto à grade de perspectiva.
Rabiscando um pouco mais e, estimando a posição da ponta do focinho do rex, eu estabeleci o local onde farei o novo animal - já sabendo que terá um tamanho muito menor.
Portanto, além das modificações do modelo do animal, sem aquelas sobrancelhas pontiagudas e sem os dentões expostos, refiz o bichão com um tamanho mais adequado.
Também ajustei a cor, para algo mais natural, lembrando um "safari no Congo" ou algum filme antigo do Tarzan, já que estou cansado de ver a correção de cor com o filtro ciano dos filmes da franquia.


Pode não parecer correto, mas certamente está muito mais próximo do tamanho verdadeiro do T rex em relação ao que fizeram no filme.
As pessoas podem me dizer: Mas, Guilherme, qual o impacto desse t rex nanico agora? A cena não é mais a mesma! Sim, é verdade, a cena poderia ser muito diferente se mostrasse um animal mais alinhado com a paleontologia, ganhando uma dimensão mais natural, e poderia ser inclusive mais tensa se o animal estivesse satisfeito, e se realmente encurralasse os personagens apenas por curiosidade, por exemplo. Ainda assim, teríamos a tensão pela presença do predador.
Já que os roteiristas e produtores insistem em deixá-lo sem comer ao final da cena, seria muito mais respeitoso para a reputação do ícone do mundo dos dinossauros se ele simplesmente não quisesse comer os personagens.


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